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Casagrande deixa a Globo após quase 25 anos no ar

Ex-jogador e comentarista comunicou o desligamento por suas redes sociais; Globo também emitiu comunicado confirmando a saída

06/07/2022 às 22h03 | Atualizado: 06/07/2022 às 22h20 | By: Vito Diniz

Após quase 25 anos, o ex-jogador e comentarista Walter Casagrande deixou a Globo. O comunicado foi feito em suas redes sociais, falando sobre o “fim de um ciclo” e “um alívio para os dois lados”. A Globo também emitiu comunicado confirmando a saída, exaltando a trajetória dele como jogador e participante da “Democracia Corintiana”, movimento que aconteceu no clube paulista, na década de 1980, liderado por um grupo de jogadores politizados tendo à frente Sócrates, Vladimir, Casagrande e Zenon.

Desde 1997, o jogador de 59 anos atuava na Rede Globo como comentarista de futebol. Ao todo Casagrande trabalhou em seis Copas do Mundo, cinco Olimpíadas, Eliminatórias e amistosos da seleção brasileira, além de campeonatos Brasileiros, regionais e Copas nacionais e intercontinentais, como a Libertadores. Com trajetória na TV iniciada em meados dos anos 1990, na ESPN – emissora especializada em eventos esportivos, logo após se aposentar dos campos de futebol, Casagrande se transferiu para a Globo e passou a comentar ao lado de Galvão Bueno, considerado um dos mais importantes narradores do País, de quem se tornou amigo.

Walter Casagrande Júnior iniciou a carreira como jogador de futebol, em 1980, pelo Corinthians e jamais escondeu ser torcedor do clube, inclusive durante todo o período em que atuou como comentarista. Pelo clube paulista conquistou os estaduais de 1982, quando foi artilheiro com 28 gols e 1983. Em 1981 foi emprestado à Caldense, de Poços de Caldas – MG, onde se tornou ídolo e em 1984, para o São Paulo. Voltou ao Corinthians e foi negociado para o exterior, iniciando sua trajetória europeia pelo Porto (POR), em 1986. No meio da temporada de 1987/1988, foi vendido por 670 mil euros para o Ascoli (ITA), onde ficou até 1991, quando se transferiu para o Torino, negociado por 3,4 milhões de euros.

Casagrande é protagonista de várias histórias interessantes no futebol e entre colegas de trabalho – com algumas polêmicas, além de ter vivido tragédias pessoais, como a morte da irmã, o envolvimento com as drogas e um grave acidente automobilístico em 2007, que o afastou da TV por dois anos. No futebol, uma delas está relacionada ao Ascoli, na época presidido, nada mais nada menos, do que por Constantino Rozzi, “Il Presidentissimo”, como era chamado pela torcida, o mais emblemático dos dirigentes do clube. Ao todo foram 26 anos de mandato. O Ascoli, também conhecido como Picchio – pica-pau, em italiano, é o quarto clube mais antigo da Itália, fundado em 1898.

No final dos anos 1980, o Ascoli, que vive uma eterna gangorra, com 16 participações na série A e 25 na série B, com dois títulos – e rebaixamentos até para a série C3, tinha caído novamente da primeira para a segunda divisão da Itália. Contratado como uma grande promessa pelo presidente midiático, Casagrande tinha a oportunidade de se transferir para outro clube, mas pediu a Constantino para ficar, porque queria levar o Ascoli novamente à primeira divisão, o que aconteceu na temporada seguinte. De quebra, ainda foi um dos artilheiros da série B, com 22 gols. Seu nome está registrado na história do clube e até hoje ele é reverenciado pelos “bianconeri” – os torcedores do Ascoli. Só depois conseguir o acesso à primeira divisão, o jogador aceitou ser vendido para o Torino, o que foi considerado uma grande baixa. O Ascoli voltou à segunda divisão em 1994, mesmo ano da morte de Constantino.

Em 1993, o Flamengo repatriou Casagrande, a exemplo do que já havia feito com Sócrates, um dos seus maiores amigos, em 1985. Porém, ao contrário do antigo companheiro de clube, de seleção brasileira, da “Democracia Corintiana” e da vida, que pelo Flamengo conquistou um estadual e o Brasileiro de 1987, não teve tanta sorte no rubro-negro do Rio. Atuou em 35 jogos e marcou oito gols, a maioria em clássicos, revivendo a dupla de ataque das eliminatórias da Copa de 1986, ao lado de Renato Gaúcho. Sua passagem pelo Flamengo, no entanto, foi marcada por outra história, um acontecimento incomum no futebol: em jogo contra o Corinthians, no Estádio do Pacaembu, em São Paulo, em vez de a Fiel hostilizar o jogador, Casagrande foi ovacionado. Em coro, os torcedores corintianos cantaram “Doutor, eu não me engano, o Casagrande é corinthiano”. Em outro canto a torcida pediu: “volta Casão, teu lugar é no timão”. E foi atendida. No ano seguinte Casagrande estava novamente no Parque São Jorge. Ao final do jogo, ele chorou no vestiário, abraçado a outro amigo e corintiano, o jornalista Juca Kfouri.

No retorno, sua quarta passagem pelo Corinthians, Casagrande alcançou a marca dos 256 jogos e 110 gols pelo clube. Antes de pendurar as chuteiras, em 1996, jogou pelo Paulista de Jundiaí (2 jogos e 2 gols) e pelo São Francisco, da Bahia (2 jogos e 1 gol). Ao todo, em toda a carreira, foram 514 jogos e 225 gols. Foi campeão paulista em 1982 e 1983, pelo Corinthians; da Copa dos Campeão da Uefa, em 1987, pelo Porto e da Copa da Itália, 1992/1993, pelo Torino. Na seleção brasileira foram  19 jogos e oito gols, com uma participação em Copas do Mundo, no México, 1986.

 

TV, VIDA, DROGAS E ROCK IN ROLL

Pais de três filhos, declaradamente apaixonado por rock’n roll, Casagrande tabela com o jornalista José Luiz Francisco, o músico Branco Melo (Titãs) e o escritor e jornalista Marcelo Rubens Paiva, no programa Rock e Bola, na Rádio Rock 89,1 FM, há dois anos. O programa idealizado nos anos 90 com o amigo e também músico dos Titãs, Marcelo Fromer, que morreu atropelado em 2011, em São Paulo, é voltado logicamente ao futebol, política, séries, filmes e música. Atualmente, o tempo de Casagrande é dividido entre o programa e palestras sobre o uso de drogas e a dependência química. Ele também é o idealizador e produtor do evento “Adonirando”, em homenagem ao compositor Adoniran Barbosa.

Com tantos momentos marcantes, para o bem ou para o mal – dele próprio, a vida de Casagrande daria um livro. Um não! Na verdade foram três (“Casagrande e seus Demônios”, “Sócrates e Casagrande – uma história de amor” e “Travessia”), além de uma série sobre dependência química no “Fantástico” e o documentário “Casão – num jogo sem regras”, disponível desde maio no GloboPlay, com 154 minutos, em quatro episódios.

Na televisão, mais especificamente na Globo, onde trabalhou por mais tempo do que jogou futebol, Casagrande protagonizou diversos momentos, alguns engraçados, outros emocionantes, como o desabafo na final da Copa da Rússia, quando falou sobre o desafio de participar sóbrio da sua primeira Copa do Mundo e emocionou o amigo e companheiro de trabalho, Galvão Bueno. E também polêmicas, como discussões com colegas de programas dos quais participou. Foi o que aconteceu com os comentaristas Paulo Vinícius Coelho, o PVC e o também ex-jogador, Caio Ribeiro, além de ter discutido com Neymar (pai do jogador da seleção brasileira).

Consta que Casagrande ficou bravo com o jornalista Ivan Moré (também ex-Globo), após se atrapalhar ao fazer as contas em relação as chances do Corinthians, no campeonato paulista, em 2017, durante um Globo Esporte. Entretanto, em sua página pessoal na internet, ele tem uma foto descontraída ao lado de Moré, nos estúdios da Globo. O relato de Moré sobre o episódio, está em entrevistas que o jornalista concedeu a diversos podcasts, em canais no Youtube e em um vídeo que o próprio jornalista gravou, imitando Casagrande, no TikTok. Em uma das entrevistas, Moré conta como ele e Casagrande foram parar um baile funk com Ronaldo Fenômeno, na Baixada Fluminense, após uma festa na casa do comentarista e ex-árbitro de futebol, Arnaldo César Coelho.

As histórias contadas por colegas de trabalho, amigos, familiares e pessoas que estiveram ou estão no universo de Casagrande, são a síntese da sua personalidade. Por mais de uma vez, Galvão Bueno fez declarações emocionadas sobre a sua personalidade, a força de vontade e o caráter do comentarista. Porém nada mais contundente do que as revelações do próprio Casagrande nas palestras, no documentário que está no GloboPlay, nas entrevistas e nos livros. Conhecido defensor dos direitos civis, da igualdade e do respeito ao próximo, desde antes da “Democracia Corintiana” – Casagrande deixou o Corinthians pela Caldense, por não aceitar ser barrado no time titular e só voltou quando a “Democracia” estava instalada, o ex-jogador é assumidamente um ativista político, que jamais deixou de manifestar suas opiniões, mesmo quando não perguntado.

Há dois dias, logo que retornou das férias, o comentarista publicou uma crítica severa ao ex-piloto de Fórmula 1, Nélson Piquet, tricampeão mundial da categoria, em seu blog “De peito aberto”, hospedado no GE. Durante uma entrevista em 2011, que voltou à tona recentemente, o ex-piloto fez referências racistas ao piloto Lewis Hamilton (Mercedes), ao ser  perguntado sobre o acidente envolvendo o inglês e Max Verstappen, da RedBull Racing (namorado da filha de Piquet), durante o Grande Prêmio de Silverstone, daquele ano. A fala mereceu manifestações contrárias ao conteúdo racista e homofóbico de Piquet, por parte da FIA – Federação Internacional de Automobilismo, da Formula One Management  – organizadora do Campeonato Mundial de Fórmula 1, da Mercedes, do próprio Hamilton – que respondeu a Piquet em português, pelo Twitter e de outros pilotos – como Sebastian Vettel, além de organizações ao redor do mundo.

 

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